CARTOGRAFRIAS DO CONTEMPORÂNEO: VONTADES DE VERDADE E PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO A PARTIR DE MICHEL FOUCAULT.

18/09/2017 14:29

As contribuições de Michel Foucault para o campo de estudos da Análise do Discurso (doravante AD) vêm conquistando cada vez mais pesquisadores, o que demonstra a proficuidade do pensamento foucaultiano aos estudos discursivos, oriundos dos postulados da AD francesa. Ao acionar os conceitos propostos pelo filósofo, os pesquisadores criam um campo específico de análise de diferentes objetos, textuais e/ou imagéticos, nos quais se percebe a emergência de dados discursos, sua inscrição na história, sua articulação com os jogos poder/saber e o modo como atuam na produção de subjetividades. Nessas pesquisas, busca-se entender o funcionamento do discurso, que não é inteiramente linguístico e nem simplesmente gramatical, e tomam o conceito de en unciado no exercício de sua função enunciativa como matriz metodológica de análise das discursividades, seja em uma dimensão arqueológica, genealógica ou de uma ética/estética da existência. Essa divisão não se faz de forma estanque; pois, em um mesmo estudo, conceitos dessas chamadas “fases do pensamento foucaultiano” podem atuar simultaneamente, dependendo do enfoque adotado ou da natureza do objeto de análise que solicita, do pesquisador, “uma conversão do olhar” frente às materialidades em estudo. Há um conjunto de conceitos e/ou noções operatórias que, em tese, se preocupam com a análise das discursividades (sua emergência, campo associativo, relações de poder, dispositivos e produção de subjetividade) nos domínios da linguagem e articulados ao estudo daquilo que foi efetivamente produzido, correlacionado ao que se dizia e se fazia em determinada singularidade histórica.

O Laboratório de estudos discursivos foucautianos de Catalão (LEF-GO) realizará o I Seminário “Cartografias do contemporâneo: vontades de verdade e processos de subjetivação a partir de Michel Foucault”, no período de 27 a 29 de novembro, com o objetivo de problematizar discursos e/ou temas contemporâneos a partir do pensamento de Michel Foucault. Os estudos desse filósofo oferecem, aos leitores e pesquisadores, perspectivas promissoras para se refletir sobre questões contemporâneas, uma vez que suas pesquisas não ficaram datadas no tempo e nem fixadas apenas nos objetos sobre os quais Foucault se debruçou. Outro aspecto a ser destacado são os cursos ministrados pelo filósofo no Collège de France, cujas public ações e traduções ainda estão em curso. Nesses trabalhos, sobretudo nas partes introdutórias e em outros textos de sua vasta obra, o referido autor esclarece que seu principal interesse de pesquisa ou caminho de investigação recaiu sobre a análise do que ele designou como “focos de experiência”, expressão indicativa de três linhas de observação dos discursos, a saber: a) “as formas de um saber possível”, b) “as matrizes normativas de comportamento para os indivíduos” e, por fim; c)  “os modos de existências virtuais para sujeitos possíveis” (FOUCAULT, 2010, p. 04-05).

Para a proposição deste colóquio, contaremos com pesquisadores de diferentes de grupos de estudos de Análise do Discurso (AD) do Brasil, cujo diálogo com a obra de Michel Foucault tem sido intensos.  Nosso objetivo gira em torno do eixo temático no qual se inscreve os objetivos desse evento, a saber: quais contribuições dos postulados foucaultianos para análise e problematização de temas e/ou discursividades contemporâneas?

Aproveitando a via aberta pelo italiano Giorgio Agamben (2009), entendemos que ser contemporâneo de seu próprio tempo é adotar um ponto de vista que não se fixa ou se prende na sua própria época, mas dela toma distância. Teríamos um processo de adesão e distanciamento: ter a dimensão do seu tempo e dele se distanciar para que possa apreendê-lo.  Em outros termos, contemporâneo é todo aquele “consegue ver não somente as luzes do seu tempo, mas o escuro, o obscuro sob o excesso de luz”. Nessa linha de observação proposta por Agamben, podemos inferir que para a análise do contemporâneo, no qual distintas temporalidades históricas se cruzam, ser contemporâneo é não se de ixar cegar pelas evidências (luzes) de seu tempo, mas ser capaz de “olhar de fora” para apreender as temporalidades que atravessam essa mesma historicidade. Trata-se de um modo de pesquisa desenvolvido por Foucault, o qual é citado pelo italiano, quando se refere a forma como o teórico analisou e pesquisou arquivos de diferentes registros históricos do passado (loucura, medicina, prisão, sexualidade etc.) com o objetivo de entender o presente ou aquilo que nos faz ser o que somos.

Acreditamos que esse modo de observação das discursividades contemporâneas deve-se vincular ao duplo processo indicado por Agamben, quando menciona a necessidade de manter o olhar fixo no seu tempo e dele se distanciar, não para enxergar as luzes, mas o obscuro que se mistura ao excesso de luz. Nesse movimento requerido, esse olhar de fora, distanciado, possibilita que se apreenda as diferentes temporalidades que se inscrevem nos discursos da atualidade. Tal procedimento dialoga com o que Foucault designou como “conversão do olhar”, quando, em “Arqueologia do Saber”, explicitou os caminhos de análise do enunciado e da função enunciativa. Essa problematização analítica requer do pesquisador “uma conversão do olhar”, pois os discursos se enredam em en unciados que não estão ocultos e nem totalmente visíveis, ou, às vezes, já estão tão entranhados no social que não o identificamos. Essa conversão do olhar recai justamente sobre a necessidade de apreender os discursos e analisá-los em sua singularidade. Essa postura interpretativa implica que a emergência de um dado objeto, independente da materialidade que o constitui, não se separa das molduras formais (discursos, enunciados, práticas discursivas, leis, domínios de memória etc.) que chegam até nós cingindo-nos. Tal gesto analítico implica que, para apreender as discursividades contemporâneas, necessitamos de um olhar atento aos discursos efetivamente produzidos no seu tempo e dele tomar distância, observando as camadas de passado que o constituem e as evidências que os fazem passar por verdadeiros. Esse modo de analisar os discurso s, sob o prisma foucaultiano, nos mostra que as verdades são historicamente produzidas, e são gestadas por vontades de verdades coletivas e sociais, localizadas no tempo e no espaço, que se materializam em discursos e constituem os sujeitos, fazendo com que esses tenham a ilusão de falarem a partir de suas próprias convicções.

 

Serão aceitas propostas de trabalhos sobre temáticas variadas sobre aspectos da contemporaneidade, desde que façam interface com os seguintes eixos teóricos:

 

  1. a)Que se inscrevam na temática proposta pelo evento, ou seja, com a abordagem discursiva proposta por Michel Foucault;
  2. b) que realizem diálogos entre abordagem discursiva de Michel Foucault e de outros teóricos da Análise do discurso;
  3. c)Que se inscrevam em qualquer linha de análise do discurso;
  4. d)Que acionem o pensamento de Michel Foucault para análise de discursividades e/ou temáticas contemporâneas.

 

Referências:

Foucault, M. O governo de si e dos outros. São Paulo: Martins Fontes,. 2010.  p. 04-05 (curso do collége de france 1982-1983)

Agmben, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó/SC. Argos, 2009.

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